quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Romance das Palavras Aéreas

Queridos alunos,

A obra-prima de Cecília Meireles é um livro dedicado a um tema fundamental na história do Brasil e muito querido principalmente a nós, os mineiros: a Inconfidência Mineira. A Inconfidência foi um movimento político que aconteceu em 1789, na cidade de Vila Rica, hoje chamada Ouro Preto.

O principal objetivo dos inconfidentes era protestas contra os impostos abusivos cobrados pelo governo português. Sua revolta foi denunciada por um traidor, e o movimento foi duramente reprimido, com a prisão e a extradição de vários participantes, como os grandes poetas Tomás Gonzaga e Alvarenga Peixoto, e as mortes do poeta Cláudio Manoel da Costa e do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

O sonho de liberdade plantado por esses heróis, porém, nunca foi derrotado, e até hoje é inspiração para todos nós.

Inspirada por essa história repleta de emoção, Cecília Meireles escreveu o magnífico Romanceiro da Inconfidência, em que conta com seu modo poético a sua visão dos fatos, em dezenas de poemas que chamou de “romances”.

Vamos conhecer uma dessas pérolas, o lindíssimo “Romance LIII ou das palavras aéreas”, em que Cecília fala sobre o poder ao mesmo tempo doce e incontrolável de sua ferramenta de trabalho: a palavra.

Romance LIII ou das Palavras Aéreas

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!

Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...

A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora...
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam...

Detrás de grossas paredes,
de leve, quem vos desfolha?
Pareceis de tênue seda,
sem peso de ação nem de hora...
- e estais no bico das penas,
e estais na tinta que as molha,
e estais nas mãos dos juizes,
e sois o ferro que arrocha,
e sois barco para o exílio,
e sois Moçambique e Angola!

Ai, palavras, ai, palavras,
íeis pela estrada afora,
erguendo asas muito incertas,
entre verdade e galhofa,
desejos do tempo inquieto,
promessas que o mundo sopra...

Ai, palavras, ai, palavras,
mirai-vos: que sois, agora?
- Acusações, sentinelas,
bacamarte, algema, escolta;
- o olho ardente da perfídia,
a velar, na noite morta;
- a umidade dos presídios,
- a solidão pavorosa;
- duro ferro de perguntas,
com sangue em cada resposta;
- e a sentença que caminha,
- e a esperança que não volta,
- e o coração que vacila,
- e o castigo que galopa...

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Perdão podíeis ter sido!
- sois madeira que se corta,
- sois vinte degraus de escada,
- sois um pedaço de corda...
- sois povo pelas janelas,
cortejo, bandeiras, tropa...

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Éreis um sopro na aragem...
- sois um homem que se enforca!


Bonito, não é?

Uma sugestão: leia o poema algumas vezes em voz alta, lentamente, com emoção. Leia diante do espelho, para seus pais; grave sua leitura e escute-a. Ou filme. Faça isso algumas vezes para sentir a sonoridade e a beleza dos versos de Cecília. Escolha alguns versos preferidos. Como são belos!

“Ai, palavras, ai, palavras, / que estranha potência a vossa!” De fato, Cecília! De fato.

Um abraço,

Guilherme & Ivanilda

Nenhum comentário: