quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Romance da Bandeira da Inconfidência


Oi, turma!

Como vimos, o Romanceiro da Inconfidência é uma obra importantíssima de Cecília Meireles. Nesse livro, ele reconta, em forma de poesia, um dos mais marcantes momentos da história brasileira: a Inconfidência Mineira.

Talvez você não saiba, mas os principais inconfidentes foram também os maiores poetas daquele tempo: Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa e Alvarenga Peixoto.

Esses homens extraordinários foram os criadores de um símbolo muito importante para nós: a bandeira de Minas Gerais! Seu triângulo representa ao mesmo tempo a Santíssima Trindade e a razão defendida pelos filósofos iluministas, em quem os heróis mineiros se inspiraram. Seus dizeres, “Libertas quase será tamen”, foram tirados do poeta latino Virgílio, e significam “Liberdade ainda que tardia”.

Vamos concordar: é algo que nos enche muito orgulho, e de muita responsabilidade, pertencermos a um povo que leva essa mensagem gloriosa em sua bandeira!

Um dos poemas mais bonitos do Romanceiro da Inconfidência narra a criação de nossa bandeira. Cecília captou com perfeição a atmosfera de coragem e segredo que os inconfidentes enfrentaram para criá-la.

Para ler em silêncio, reler em voz alta, reler novamente muitas e muitas vezes:

Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência

Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
— e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras:
olhos colados aos vidros,
mulheres e homens à espreita,
caras disformes de insônia,
vigiando as ações alheias.
Pelas gretas das janelas,
pelas frestas das esteiras,
agudas setas atiram
a inveja e a maledicência.
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas,
como peludas aranhas
na gosma das teias densas,
rápidas e envenenadas,
engenhosas, sorrateiras.

Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
brilham fardas e casacas,
junto com batinas pretas.
E há finas mãos pensativas,
entre galões, sedas, rendas,
e há grossas mãos vigorosas,
de unhas fortes, duras veias,
e há mãos de púlpito e altares,
de Evangelhos, cruzes, bênçãos.
Uns são reinóis, uns, mazombos;
e pensam de mil maneiras;
mas citam Vergílio e Horácio,
e refletem, e argumentam,
falam de minas e impostos,
de lavras e de fazendas,
de ministros e rainhas
e das colônias inglesas.

Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
uns sugerem, uns recusam,
uns ouvem, uns aconselham.
Se a derrama for lançada,
há levante, com certeza.
Corre-se por essas ruas?
Corta-se alguma cabeça?
Do cimo de alguma escada,
profere-se alguma arenga?
Que bandeira se desdobra?
Com que figura ou legenda?
Coisas da Maçonaria,
do Paganismo ou da Igreja?
A Santíssima Trindade?
Um gênio a quebrar algemas?
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Vigário ao Poeta:
"Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergílio..."
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
"Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam..."
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.
E os seus tristes inventores
já são réus — pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o que seja).

Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
— e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras.
"Que estão fazendo, tão tarde?
Que escrevem, conversam, pensam?
Mostram livros proibidos?
Lêem notícias nas Gazetas?
Terão recebido cartas
de potências estrangeiras?"
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas!
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras!
Ó vitórias, festas, flores
das lutas da Independência!
Liberdade - essa palavra,
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!)
E a vizinhança não dorme:
murmura, imagina, inventa.
Não fica bandeira escrita,
mas fica escrita a sentença.



O poema mostra muito bem vários detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica, atual Ouro Preto, naquele tempo: peças de vestuário, detalhes dos móveis, atitudes da vizinhança. A técnica de construção usada naquele tempo não era tão boa quanto a de hoje em dia, e as casas eram próximas umas das ouras. Por isso, o hábito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia, e a crença de que “as paredes têm ouvidos” era muito real. Cecília mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos, às vezes maldosos. Naquela situação, apenas pensar em liberdade era um crime gravíssimo, mas os inconfidentes enfrentaram esse perigo.

Dentre muitos momentos bonitos do poema, um é para guardar para sempre,a linda definição de liberdade dada por Cecília: “Liberdade: essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda”.

Um abraço,

Guilherme & Ivanilda


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